Durante anos, ouvimos a mesma história sobre raças como o Border Collie e o Pastor Belga Malinois. São, supostamente, cães hiperativos, máquinas de energia incansável que exigem exercício extremo e autoridade férrea.
A crença é quase universal: “Se não os cansar, surgem problemas de comportamento.“
O Rótulo da Hiperatividade: O Mito Comum
A narrativa dominante dita que, para serem saudáveis e equilibrados, estes cães têm que:
- Passear várias vezes ao dia.
- Correr muito e durante longos períodos.
- Perseguir objetos intensamente (bolas, frisbees).
- Praticar jogos de alta excitação como o tug of war (cabo de guerra).
Tudo isto é justificado por uma única palavra: genética.
É a genética que tem a culpa de toda a excitação e da aparente necessidade de exaustão. Mas será que a genética é a única responsável? Ou estaremos a ignorar outros fatores cruciais que estão a condicionar estes cães para a hiperatividade, transformando tendências inatas em exigências extremas?
🧠 A Verdadeira Composição do Comportamento
É inegável que a genética tem o seu papel, ditando as tendências da raça. O estado emocional da mãe durante a gestação também influencia o temperamento da ninhada. No entanto, a principal razão para os comportamentos intensos da maioria destes cães reside na forma como são estimulados e nos ambientes em que vivem.
Os fatores cruciais que moldam o cão hiperativo são:
- Estímulo Precoce Intenso: Crias que são constantemente estimuladas para a ação e para atividades excitantes que estimulam a mordida, muito antes de irem para os seus tutores.
- Separação Precoce da Mãe: Serem separados demasiado cedo (por vezes, com apenas 2 meses), perdendo um período vital de aprendizagem com a mãe e irmãos sobre o controlo e a moderação dos impulsos.
- Estilo de Vida dos Tutores: A ansiedade, o stress e a energia elevada do ambiente doméstico são facilmente absorvidos por estes cães, que são extremamente sensíveis. Eles refletem a calma ou a agitação que encontram.
Atenção: Estes cães não nascem com “problemas de comportamento”; eles são condicionados a expressar comportamentos intensos através da forma como são estimulados e socializados nos seus primeiros dias de vida. Não lhes é dada a oportunidade de serem diferentes.
O Ciclo Vicioso da Excitação
Quando um cão é constantemente estimulado com atividades de alta intensidade (correr a toda a velocidade, perseguição sem pausas), ele não está a “gastar energia”, está a aumentar o seu limiar de excitação.
Em vez de se tornar um cão “cansado”, ele torna-se um cão que precisa de níveis cada vez maiores de excitação para se sentir saciado. É um ciclo vicioso:
- O tutor estimula intensamente para “cansar”.
- O cão aprende que o estado de excitação elevada é o estado normal.
- Quando não é estimulado, procura essa excitação (destruição, latidos, perseguição) para preencher a necessidade.
- O tutor interpreta isto como “não estar cansado” e estimula-o ainda mais.
🏡 O Potencial Não Realizado: Uma Nova Abordagem
E se a solução fosse simplesmente deixar estes cães serem diferentes?
Se Border Collies e Pastores Belgas fossem criados desde cedo numa atmosfera tranquila, se lhes fosse permitido permanecer mais tempo com as suas mães (para aprenderem o autocontrolo) e se vivessem num ambiente que respeitasse as suas sensibilidades em vez de as explorar, o resultado seria muito diferente.
Estes cães, quando não são constantemente condicionados para a ação e para a hipervigilância, são cães iguais aos outros no que diz respeito à capacidade de encontrar o equilíbrio. São perfeitamente capazes de:
- Serem calmos e relaxados em casa.
- Ter um bom controlo de impulsos.
- Encontrarem satisfação em atividades mentais e passeios moderados, em vez de exigirem exaustão física extenuante.
A próxima vez que ouvir que um Pastor Belga ou Border Collie tem de correr vários quilómetros por dia, lembre-se: estamos a falar de um condicionamento que começa cedo e não de um destino genético. A verdadeira autoridade não reside na rigidez do treino, mas sim na capacidade de lhes proporcionar uma vida emocionalmente equilibrada.

